Quando
o sentimento é deixado ao acaso*
*Título da crônica é a tradução de um trecho da música Smooth operator, da banda inglesa Sade.
por Luana Morena (crônica escrita do contexto do romance A revolta dos feios, em produção.)
O museu Resquícios inaugura a partir do dia 23 de março a exposição Tietes, as últimas seduzidas pela beleza, no salão principal Oscarito, a partir das 19 horas. As obras ficarão expostas até 23 de abril e a entrada é gratuita. O evento é para lembrar o aniversário de vinte anos da Revolta dos feios. Fazem parte do acervo, roupas das quatro mulheres, fotografias e vídeos feitos antes, durante e depois da Revolta, relatos dos filhos de duas delas e até parte dos destroços do carro envolvido no acidente que as conectou à maior Bela resistência do período, os Filhos de Narciso.
Trata-se de uma boa oportunidade para conhecer detalhes da maior revolta brasileira conhecida; e, para aqueles que esperam ver os feios como vilões, como a mídia brasileira divulgou maciçamente após o fim da guerra, é melhor se prepararem para uma surpresa. Vídeos revelam o quanto as moças eram humilhadas no acampamento por serem feias tentando passarem-se por bonitas. Das conhecidas orgias dionisíacas destes acampamentos divulgadas na Internet, a exposição traz fotos de duas orgias deste grupo, onde aparecem três das tietes nuas, mas as únicas com burcas no recinto. Concluímos então que Conceição Barbosa não foi incluída por que além de feia, era gorda.
A mulher, de apenas 39 anos quando da sua chegada ao acampamento, era a defensora mais fervorosa da Bela resistência, ficando célebre pelo seu discurso inflamado em exaltação à beleza e que foi transformado em rap na Internet; conseguindo a incrível marca de noventa milhões de visualizações no extinto Youtube.
A ausência de Conceição nas orgias, e a ridícula situação de suas semelhantes no bacanal, segundo o jornal inglês The Guardian, reforça os estudos do professor Leonardo Asheimberg, que afirma em seu livro, Tietes, as dançarinas de Sade, que os feios realmente eram massacrados pela sociedade brasileira e tinham sim, motivo para iniciar um conflito armado, se fosse preciso. Ele afirma ainda, em seus estudos, que as tietes eram usadas como "testas de ferro" e iscas para o que os belos exterminassem feios que aparecessem.
Contudo, o visitante também terá a chance de dar boas risadas com vídeos mostrando a intimidade destas mulheres horrorosas! Além de muito feias, elas eram engraçadíssimas, e conquistaram a feiarada mesmo após a traição. Hoje são consideradas símbolos do país e estudadas por sociólogos do mundo inteiro.
O vídeo da execução das quatro mulheres também estarreceu o mundo, quando foram para a forca cantando e dançando a música Smoth operator, da banda inglesa Sade, num dia de ótimo humor, apesar da dura sentença.
O Museu fica aberto de terça à domingo, de 8 às 22 horas. O curador Erivelton Gonçalves também dá palestras no auditório das Tristes figuras às 17 horas, às sextas e sábados, com o tema: a Bela resistência; assunto proibido nos locais públicos por anos. Mais informações sobre a exposição no site do museu: resquicio.world.brazil
*Título da crônica é a tradução de um trecho da música Smooth operator, da banda inglesa Sade.
por Luana Morena (crônica escrita do contexto do romance A revolta dos feios, em produção.)
O museu Resquícios inaugura a partir do dia 23 de março a exposição Tietes, as últimas seduzidas pela beleza, no salão principal Oscarito, a partir das 19 horas. As obras ficarão expostas até 23 de abril e a entrada é gratuita. O evento é para lembrar o aniversário de vinte anos da Revolta dos feios. Fazem parte do acervo, roupas das quatro mulheres, fotografias e vídeos feitos antes, durante e depois da Revolta, relatos dos filhos de duas delas e até parte dos destroços do carro envolvido no acidente que as conectou à maior Bela resistência do período, os Filhos de Narciso.
Trata-se de uma boa oportunidade para conhecer detalhes da maior revolta brasileira conhecida; e, para aqueles que esperam ver os feios como vilões, como a mídia brasileira divulgou maciçamente após o fim da guerra, é melhor se prepararem para uma surpresa. Vídeos revelam o quanto as moças eram humilhadas no acampamento por serem feias tentando passarem-se por bonitas. Das conhecidas orgias dionisíacas destes acampamentos divulgadas na Internet, a exposição traz fotos de duas orgias deste grupo, onde aparecem três das tietes nuas, mas as únicas com burcas no recinto. Concluímos então que Conceição Barbosa não foi incluída por que além de feia, era gorda.
A mulher, de apenas 39 anos quando da sua chegada ao acampamento, era a defensora mais fervorosa da Bela resistência, ficando célebre pelo seu discurso inflamado em exaltação à beleza e que foi transformado em rap na Internet; conseguindo a incrível marca de noventa milhões de visualizações no extinto Youtube.
A ausência de Conceição nas orgias, e a ridícula situação de suas semelhantes no bacanal, segundo o jornal inglês The Guardian, reforça os estudos do professor Leonardo Asheimberg, que afirma em seu livro, Tietes, as dançarinas de Sade, que os feios realmente eram massacrados pela sociedade brasileira e tinham sim, motivo para iniciar um conflito armado, se fosse preciso. Ele afirma ainda, em seus estudos, que as tietes eram usadas como "testas de ferro" e iscas para o que os belos exterminassem feios que aparecessem.
Contudo, o visitante também terá a chance de dar boas risadas com vídeos mostrando a intimidade destas mulheres horrorosas! Além de muito feias, elas eram engraçadíssimas, e conquistaram a feiarada mesmo após a traição. Hoje são consideradas símbolos do país e estudadas por sociólogos do mundo inteiro.
O vídeo da execução das quatro mulheres também estarreceu o mundo, quando foram para a forca cantando e dançando a música Smoth operator, da banda inglesa Sade, num dia de ótimo humor, apesar da dura sentença.
O Museu fica aberto de terça à domingo, de 8 às 22 horas. O curador Erivelton Gonçalves também dá palestras no auditório das Tristes figuras às 17 horas, às sextas e sábados, com o tema: a Bela resistência; assunto proibido nos locais públicos por anos. Mais informações sobre a exposição no site do museu: resquicio.world.brazil
Brinquedo de guerra
por Luana Morena
− Ei, onde pensa que vai? Você não soube? − Replicou a bela negra, de olhos amendoados e cabelo lindo, alto, cacheado, a seu marido,
que abria silenciosamente a porta da cozinha para livrar-se do lixo azedo há semanas.
− Soube do quê, Gislene?
Ela desviou o olhos e olhou para a parede com um olhar cheio de significados, todos tristes.
− Mataram o Jessé ontem de madrugada.
− O quê?!
− Ele foi procurar a Samantha, não quis escutar ninguém e...
Bem, a mulher não conseguiu completar a oração e caiu aos prantos. Seu marido deu um longo suspiro.
− Mas nós estamos adoecendo neste lixo, mulher, e eu não prefiro uma morte lenta!
− Você não entende, homem de Deus, esmagaram a cabeça dele com uma pedra! − Um minuto de estarrecido silêncio...
A porta da cozinha foi fechada, os sacos de lixo voltaram para a área de tanque, e os dois humanos conversaram nervosos sentados em poltronas da sala. Debateram e deliberaram.
− Temos que ir para um condomínio neutro, é o único lugar seguro. Podemos usar o dinheiro da poupança, vender o carro, pedir ajuda ao seu pai...
E assim combinado, conversaram com a família dela pelo skype e ficou tudo acertado sobre a partida deles. Gislene tinha uma beleza entorpecente, seu maior crime, e seria suicídio permanecerem, onde não havia nem prefeito, nem sequer polícia mais.
Juntaram, então, as coisas de mais necessidade e as de mais valor ali mesmo, na véspera da partida; comeram da comida entregue em carro forte e assistiram ao noticiário, que tratou dos revoltosos:
− Os feios tomaram ontem o Congresso Nacional, num cenário de guerra que ninguém jamais cogitou acontecer no Brasil. O semicírculo, onde funcionava
a Câmara dos deputados foi bombardeado, parcialmente destruído e quatro deputados que se recusaram a sair, morreram com a explosão.
A notícia seria mais chocante para o casal, caso os eventos anteriores não tivessem sido também tão inacreditáveis. Tempos difíceis no berço esplêndido.
Ela adormeceu na poltrona maior. Ele, febril, olhava perdido para os cantos da sala, escutando os ratos rondarem. Amanheceu.
− O que você está fazendo? − Replicou a bela negra a seu marido, que abria silenciosamente a porta da cozinha para livra-se do lixo azedo há semanas.
O homem virou-se para a mulher com olhos amarelos, perdidos e assustados.
− Você não vai acreditar, mas tem ratazanas me mordendo de madrugada! Estou todo mordido! E infectado!
E numa tristeza tão espontânea, brotada sem autorização, o homem começou a chorar como uma criança, cada vez mais alto. Gislene paralisou-se estatelada de aflição e desespero, e ficava também apreensiva de que alguém o escutasse. O marido, de joelhos, gritando e se escorando naquele lixo fétido, foi acudido pela esposa, que tentou calar-lhe a boca, do que ele se esquivava e gritava ainda mais!
− Escutou isso? Parece criança chorando.
− Onde é?
− Vamo ver...
O choro não cessava, e guiava os algozes, mesmo depois, quando virou riso, um riso descompassado e assustador, que se espalhava pela casa com
o pobre doente correndo de um lado a outro fugindo. Chegaram à casa, as hienas; traficantes de bonecas, atrás de belas crianças, belas mulheres e belos homens que pudessem virar belas travestis. Ganharam força com a revolta e até o apoio de alguns revoltosos. Chegaram devagar, e ao verem o vetor
da leptospirose com um olhar insano, um deles atirou-lhe uma bala de espingarda bem na cara, desfigurando-lhe a feiura, que não servia para o negócio.
Gislene, suja de sangue, morreu eletrocutada, pelo objeto de luxo que era. Morreu linda, com seu vestido clássico, azul com bolinhas brancas e com
um rosto irresistível de choro. Depois disso, os homens fuçaram tudo, as malas, os armários, o computador. Pareciam felizes com o emprego. Não se incomodaram sequer com o mal cheiro ou com o rato que apareceu e parecia assistir ao terrível desfecho. Saíram pela porta da frente, com a moça nos braços. Chamaram o frigorífico pelo rádio e enquanto aguardavam, brincavam de colocar a mão debaixo do vestido da danada.
por Luana Morena
− Ei, onde pensa que vai? Você não soube? − Replicou a bela negra, de olhos amendoados e cabelo lindo, alto, cacheado, a seu marido,
que abria silenciosamente a porta da cozinha para livrar-se do lixo azedo há semanas.
− Soube do quê, Gislene?
Ela desviou o olhos e olhou para a parede com um olhar cheio de significados, todos tristes.
− Mataram o Jessé ontem de madrugada.
− O quê?!
− Ele foi procurar a Samantha, não quis escutar ninguém e...
Bem, a mulher não conseguiu completar a oração e caiu aos prantos. Seu marido deu um longo suspiro.
− Mas nós estamos adoecendo neste lixo, mulher, e eu não prefiro uma morte lenta!
− Você não entende, homem de Deus, esmagaram a cabeça dele com uma pedra! − Um minuto de estarrecido silêncio...
A porta da cozinha foi fechada, os sacos de lixo voltaram para a área de tanque, e os dois humanos conversaram nervosos sentados em poltronas da sala. Debateram e deliberaram.
− Temos que ir para um condomínio neutro, é o único lugar seguro. Podemos usar o dinheiro da poupança, vender o carro, pedir ajuda ao seu pai...
E assim combinado, conversaram com a família dela pelo skype e ficou tudo acertado sobre a partida deles. Gislene tinha uma beleza entorpecente, seu maior crime, e seria suicídio permanecerem, onde não havia nem prefeito, nem sequer polícia mais.
Juntaram, então, as coisas de mais necessidade e as de mais valor ali mesmo, na véspera da partida; comeram da comida entregue em carro forte e assistiram ao noticiário, que tratou dos revoltosos:
− Os feios tomaram ontem o Congresso Nacional, num cenário de guerra que ninguém jamais cogitou acontecer no Brasil. O semicírculo, onde funcionava
a Câmara dos deputados foi bombardeado, parcialmente destruído e quatro deputados que se recusaram a sair, morreram com a explosão.
A notícia seria mais chocante para o casal, caso os eventos anteriores não tivessem sido também tão inacreditáveis. Tempos difíceis no berço esplêndido.
Ela adormeceu na poltrona maior. Ele, febril, olhava perdido para os cantos da sala, escutando os ratos rondarem. Amanheceu.
− O que você está fazendo? − Replicou a bela negra a seu marido, que abria silenciosamente a porta da cozinha para livra-se do lixo azedo há semanas.
O homem virou-se para a mulher com olhos amarelos, perdidos e assustados.
− Você não vai acreditar, mas tem ratazanas me mordendo de madrugada! Estou todo mordido! E infectado!
E numa tristeza tão espontânea, brotada sem autorização, o homem começou a chorar como uma criança, cada vez mais alto. Gislene paralisou-se estatelada de aflição e desespero, e ficava também apreensiva de que alguém o escutasse. O marido, de joelhos, gritando e se escorando naquele lixo fétido, foi acudido pela esposa, que tentou calar-lhe a boca, do que ele se esquivava e gritava ainda mais!
− Escutou isso? Parece criança chorando.
− Onde é?
− Vamo ver...
O choro não cessava, e guiava os algozes, mesmo depois, quando virou riso, um riso descompassado e assustador, que se espalhava pela casa com
o pobre doente correndo de um lado a outro fugindo. Chegaram à casa, as hienas; traficantes de bonecas, atrás de belas crianças, belas mulheres e belos homens que pudessem virar belas travestis. Ganharam força com a revolta e até o apoio de alguns revoltosos. Chegaram devagar, e ao verem o vetor
da leptospirose com um olhar insano, um deles atirou-lhe uma bala de espingarda bem na cara, desfigurando-lhe a feiura, que não servia para o negócio.
Gislene, suja de sangue, morreu eletrocutada, pelo objeto de luxo que era. Morreu linda, com seu vestido clássico, azul com bolinhas brancas e com
um rosto irresistível de choro. Depois disso, os homens fuçaram tudo, as malas, os armários, o computador. Pareciam felizes com o emprego. Não se incomodaram sequer com o mal cheiro ou com o rato que apareceu e parecia assistir ao terrível desfecho. Saíram pela porta da frente, com a moça nos braços. Chamaram o frigorífico pelo rádio e enquanto aguardavam, brincavam de colocar a mão debaixo do vestido da danada.
Sinopse:
A revolta dos feios mostra a revolta iniciado por Tião, um professor de dança frustrado por não conseguir realizar seu grande sonho de infância; dançar em uma banda de eletroforró. Após ser humilhado na Internet, começa o seu trabalho para convocar os 'feios' deste país,e a sua revolta ganha projeção. Concomitante a esta estória, há outra. Um grupo de contrabandistas de cadáveres desenvolveu um conservante poderoso, permitindo a ele negociar cadáveres humanos como brinquedos sexuais. O novo mercado negro e o avanço dos revoltosos fazem com que as pessoas escondam o que é considerado bonito nelas para tentarem sobreviver. Um livro emocionante, com muita crítica, humor, inversão de valores, e uma oportunidade para refletir sobre os modelos sociais vigentes. |
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